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O documento fornece orientações para os decisores políticos e os agentes económicos sobre a evolução da situação mundial, examinando as frentes geopolíticas com particular atenção às questões de segurança nacional.
Como primeira coisa, vamos ver quem é esta Intelligence Community, o "editor" da publicação por assim dizer.
A Comunidade da Inteligência e a inteligência do Director
A IC é uma federação de 16 diferentes agências governamentais que trabalham separadamente e em conjunto para realizar as actividades de intelligence consideradas necessárias para a condução das relações externas e da segurança nacional dos Estados Unidos. As organizações membros da IC incluem agências deintelligence militares, civis e departamentos de análise. A IC é liderada pelo Director da Inteligência Nacional (DNI), que trabalha directamente pelo Presidente dos EUA.
Actualmente, o Director é James R. Clapper. Ex militar, o homem deve ser um génio ou algo parecido.
Em 2003, Clapper, então director da Agência Nacional de Inteligência Geoespacial, tentou explicar a ausência de armas de destruição em massa no Iraque afirmando que estas tinham sido "inquestionavelmente" enviadas fora do Iraque, com destino a Síria e outros Países, antes da invasão norte-americana.
Em 2010, durante uma entrevista com a jornalista Diane Sawyer da ABC News, Clapper admitia desconhecer completamente o facto de doze supostos terroristas terem sido presos na Grã-Bretanha no início do dia. Nada mal, afinal já era Director do serviço nacional de espionagem.
Em Fevereiro de 2011, enquanto as manifestações queriam derrubar a presidência do Presidente Mubarak no Egipto, Clapper tranquilizou o Congresso:
O termo 'Irmandade Muçulmana' é um termo genérico para uma variedade de movimentos, no caso do Egipto, um grupo muito heterogéneo [...] que tem evitado a violência e já denunciou Al-Qaeda como uma perversão do Islão. Eles têm prosseguido fins sociais, uma melhoria da ordem política no Egipto.
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James R. Clapper |
Em 12 de Março de 2013, numa audiência no Congresso, o senador Ron Wyden perguntou ao Diretor Clapper:
"Será que a NSA recolhe algum qualquer tipo de dados acerca de milhões ou centenas de milhões de norte-americanos?"
e Clapper respondeu: "Não, senhor".
Wyden insistiu: "Nenhum mesmo?"
mas Clapper foi irremovível:"Não intencionalmente. Há talvez casos em que os dados podem ser inadvertidamente recolhidos, mas não conscientemente".
Não admira ter sido escolhido pelo Presidente Obama para liderar a Intelligence Community: o curriculum mostra todas as qualidades necessárias (não sabe, se sabe mente e quando tenta acertar falha) para um cargo tão delicado. Portanto, vale a pena ler com atenção as previsões deste Global Trends 2030, na esperança que não tenha sido Clapper a escreve-lo.
Global Trends 2030
Neste relatório são destacados:
- quatro mega-tendências globais que caracterizam os tempos próximos
- seis pontos críticos essenciais que devem ocorrer devido às mudanças radicais na composição do equilíbrio internacional de poder
- quatro resultados prováveis das mudanças que ocorrem nos contextos regionais e internacionais.
As mega-tendências
As mega-tendências individuadas no documento são:
Individual Empowerment (Empoderamento individual): Este fator irá acelerar, graças à redução da pobreza, ao crescimento da classe média do mundo, uns mais altos níveis de educação, o uso generalizado das novas tecnologias de comunicação e de produção e as melhorias na área da saúde.
Diffusion of Power (Difusão do poder): As próximas décadas serão marcadas por um poder hegemónico já não concentrado num só País ou região. O poder será mais generalizado. Vamos entrar numa era de poderes multi-polares que vão competir para obter a liderança mundial.
Demographic Patterns (Padrões demográficos): O arco de instabilidade demográfica irá travar. O crescimento económico vai diminuir nos Países muito "envelhecidos". Sessenta por cento da população mundial viverá em áreas urbanas e aumentará a migração. Os Países mais envelhecidos, menos dinâmicos do que os "mais jovens", terão de enfrentar uma difícil batalha para manter os padrões de vida.
Food, Water, Energy nexus (Alimentos, água, nós energético): O aumento da população mundial irá incrementar a procura por tais recursos. Será necessário resolver os problemas relacionados com a escassez dos bens e das matérias-primas, tanto do lado da oferta quanto do lado da procura.
Os pontos críticos
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Nomeadamente, os seis pontos indicados como pontos críticos essenciais.
Crisis-Prone Global Economy (Propensão para crises da economia global): A volatilidade global e os desequilíbrios entre jogadores com diferentes interesses económicos irá provocar um colapso do sistema mundial? Ou a multipolaridade conseguirá trazer uma ordem económica mais resistente?
Governançe Gap (Falha na governação): Governos e instituições serão capazes de se adaptar de forma suficientemente rápida para aproveitar das mudanças ou serão derrotadas por estas?
Potential for Increased Conflict (Potencial para um aumento da conflictualidade): A rápida mudança e os movimentos de poder podem causar mais conflitos entre os Estados ou no interior dos Estados?
Wider Scope of Regional Instability (Mais amplo espectro de instabilidade regional): A instabilidade regional, especialmente no Oriente Médio e no Sul da Ásia, irá explodir, criando uma maior insegurança global?
Impact of New Technologies (Impacto das novas tecnologias): As inovações tecnológicas irão crescer de forma adequada para aumentar a productividade económica e resolver os problemas causados pelo crescimento da população mundial, a rápida urbanização e a mudança climática?
Role of the United States (Papel dos Estados Unidos): Os EUA serão capazes de trabalhar com novos parceiros para reinventar um sistema internacional, equilibrado e eficiente?
Os futuros possíveis
Stalled Engines (Motores Parados): No pior dos cenários, irá aumentar o risco de conflito entre Estados. O EUA irão ocupar-se cada vez menos do exterior e o processo de globalização irá parar, com consequências não totalmente imagináveis.
Fusion (Fusão): No cenário mais optimista, EUA e China (a Ásia, de acordo com o relatório, em 2030 superará EUA e Europa para poder global, gastos militares, crescimento da população e investimentos em tecnologia, enquanto já nos próximos anos será a maior economia do mundo) vão colaborar acerca duma série de questões, o que levará a uma cooperação global mais ampla.
Gini-Out-of-the-Bottle: (Fora de controle)As desigualdades podem explodir, alguns Países podem ganhar o desafio, outros vão falhar. O aumento da desigualdade no interior dos Países vai trazer a eclosão de tensões sociais. Sem um desempenho total, no entanto os EUA vão perder o papel de "polícia do mundo".
Nonstate World (Mundo não-estatal): impulsionados pelas novas tecnologias, os actores não-estatais (ou seja sub-nacionais, como cidades, organizações e ricos privados) tomarão a iniciativa de enfrentar os desafios globais .
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Estamos numa fase de transição, com todos os riscos que isso implica: uma sensação de caos, verdadeiro ou percebido, algo natural perante a perda de pontos de referência que, ao longo de duas gerações (pelo menos) tinham permitido desenvolvimentos mais ou menos previsíveis.
Mas é o fim dum mundo, não o fim do mundo .
Talvez o dado mais importante seja outro: com a entrada dos Países numa fase multipolar (que nesta altura parece irreversível) o "momento unipolar" americano está concluído e Global Trends faz questão de realçar este aspecto. A Pax Americana, a era do domínio norte-americano na política internacional, algo que começou em 1945, está terminando. E aintelligence dos EUA apresenta isso não como mera possibilidade mas como facto inevitável. No entanto, a transição pode ser bastante dramática, porque os EUA preservam uma incontestável superioridade militar: e isso poderia determinar uma gestão da transição com pouca clarividência e "agitação" excessiva.
O problema é este: uma vez assumido o percurso de declínio, terão os EUA a capacidade de reposicionar-se no tabuleiro global? É muito difícil responder, pois além de escolha, será também uma questão de necessidade: a crise económica interna, as desigualdades, o crescente fenómeno da imigração, o redimensionamento dos tradicionais aliados, tudo isso impede conhecer em antemão qual a atitude de Washington perante a mudança.
Nos próximos 15 anos, portanto, a Casa Branca poderá contar com menos amigos no Velho Continente, tal como no mundo em geral; até mesmo a Nato terá que reinventar-se para não perder qualquer sentido. Num mundo multipolar, a palavra-chave será "colaboração", seja ela local ou global. Ou isso ou uma fase de desordem e caos que poderá dominar o mundo até o surgimento dum novo equilíbrio. Pois afinal toda a História é isso: a passagem duma fase de temporário equilíbrio para outra.
Ipse dixit.
Fontes: Global Trends 2030: Alternative Worlds (ficheiro Pdf, inglês), Wikipedia (versão inglesa)
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