O DESASTRE DE MANN GULCH MOSTRA QUE, MAIS IMPORTANTE QUE TOMAR DECISÕES, É PRESERVAR O SENTIMENTO DE QUE ELAS FAZEM SENTIDO
Diante da gravidade da situação, o líder suspendeu o plano de combate anterior e passou a agir com a intuição. Em vez de tentar se afastar do fogo, o líder ateou fogo no capim a sua volta e disse para a equipe deixar as ferramentas de lado e se juntar a ele. Sua tática era queimar o capim para diminuir o combustível para o fogo e se proteger das chamas. No entanto, tática não fazia parte do treinamento e o grupo não confiou e não respeitou as ordens do líder. Resultado, o líder sobreviveu, mas boa parte da equipe acabou morrendo.
O que fazer quando o mundo, tal qual o conhecemos, deixa de fazer sentido? Como fazer sentido em meio a novas realidades e frente ao inesperado? No artigo “The Collapse of Sensemaking in Organizations: The Mann Gulch Disaster” (WEICK, Karl. Administrative Science Quarterly, Volume 38, 1993), o professor da Universidade de Michigan destrincha a história do incêndio para extrair lições sobre como organizações podem entrar em colapso frente a um desafio que leva seus membros a questionar sua própria capacidade de agir. Mas por que organizações desandam? E como podem tornar-se mais resilientes?
Segundo o professor Weick, isto acontece porque as pessoas agem como se os acontecimentos fossem coerentes no tempo e no espaço e que mudanças acontecem de forma ordenada. Similarmente, as organizações tendem a querer usar o passado para definir estratégias e planos futuros, muitas vezes se esquecendo de que (já dizia o “outro” Karl, Marx) “a história não se repete”.
Uma das principais razões que levou ao desastre em Mann Gulch foi terem subestimado a possibilidade de o inesperado acontecer: quando pularam do helicóptero para combater o fogo no meio da floresta, tinham certeza que era um incidente contornável e que tudo estaria resolvido em questão de horas. Uma “crença” teimosa serviu para mostrar que ilusões positivas podem ser fatais.
Por outro lado, o grupo não tinha laços fortes e a liderança deu sinais de frouxidão (os líderes fizeram um lanche antes de iniciar o combate ao fogo); assim o grupo tornou-se ansioso e achou difícil entender o que estava acontecendo, até que finalmente não foram capazes de ver sentido na proposta do líder e seguir suas ordens, o que poderia ter salvado suas vidas: a rota de fuga proposta pelo comandante. O mundo rapidamente passou de um “cosmos” ao caos, tornando-se vazio de ordem e racionalidade.
O estudo do caso mostrou que o que mantém uma organização saudável pode ser algo bem mais tênue do que imaginamos e que a receita para a desorganização vista em Mann Gulch não é tão rara na vida cotidiana. Basta deixar vácuos de poder, colocar pessoas em papéis para os quais não são preparadas; permitir ambiguidades, não deixando claras as funções de cada um; e, finalmente, fazer todas essas mudanças em um contexto em que pequenos eventos aparentemente sem importância podem combinar-se, resultando em desastres.
Finalmente, Karl Weick aponta algumas fontes potenciais de resistência que tornam grupos menos vulneráveis a essa “perda de sentido”: cultivar a capacidade de improviso, ter atitudes ponderadas (evitando extremos de cautela ou ousadia) e normas de interação respeitosa (confiando nas capacidades do outro). O desastre de Mann Gulch mostra que, mais importante que tomar decisões, é preservar no grupo o sentimento de que elas fazem sentido.
Fonte: Época Negócios, 28/11/2012.